Fernando Botero com sua obra ‘The Street’
na galeria
Marlborough, em Madri.
Foto: Luis Sevillano
Publicado originalmente no site BRASIL EL PAÍS, em 22 de
fevereiro de 2019
Botero: “Sou o pintor vivo que mais expõe no mundo. Até
crianças pequenas me reconhecem”
O artista, que protagoniza uma amostra em Madri, defende os
volumes em suas obras
Por Juan Cruz
Fernando Botero, nascido em 1932 em Medellín, pinta desde
adolescente a cor e os volumes da natureza da sua fértil Colômbia. É, também, o
artista inflamado que, sem deixar de lado os volumes que tornam seu estilo tão
singular, se encheu de ira perante as torturas de Abu Ghraib e também
confrontou as feridas deixadas em seu país pela guerra mais longa e cruenta já
ocorrida no continente americano. Na noite desta quinta, abriu em sua galeria,
a Marlborough, em Madri, uma exposição cheia de cor e alegria. É a primeira que
faz na capital espanhola desde 1994. “O destino da arte, sobre a dor ou sobre a
beleza, é procurar o prazer estético”, afirmou numa entrevista ao EL PAÍS.
Na exposição há brindes, ruas, toureiros, alegria, mas não
há nem um esboço de sorriso entre os que assim celebram a vida. Ele, por outro
lado, ri muito. Mas todos são Boteros, como ele mesmo diz.
“Todos têm os
volumes que desde adolescente quis dar às minhas figuras.”
O pintor divide seu tempo entre a Itália e Mônaco, onde
mantém ateliês. Embora sua figura imponha certo respeito pela potência que
economicamente sua arte lhe rende, conserva seu humor antioquenho, que lhe
permite rir também das sombras de suas figuras e, à sua maneira, dos que,
conforme lhe contam, criticam o gosto que o mercado tem por seus quadros e por
suas esculturas. É, diz ele mesmo, “o pintor que mais expõe no mundo” e,
segundo as estatísticas, também um dos mais valorizados.
Já tem 86 anos. As obras que agora apresenta até 3 de março,
Pinturas Recentes, demonstram que continua pintando (não esculpe tanto). Sofreu
há dois anos um acidente em sua casa em Antioquia: um incêndio destruiu seu
imóvel. Passou medo e engoliu fumaça, e por isso no começo da conversa se
desculpou por sua rouquidão. “A fumaça ficou aí dentro e destruiu minha famosa
voz de cantor”, gargalhou.
Pergunta. Tanto que o senhor talvez pudesse ter sido cantor
em vez de pintor. De onde lhe vem esse dom para a arte?
Resposta. Não havia tradição na minha família. Não sei por
que comecei a desenhar touros, paisagens, naturezas mortas, por que as pessoas
vieram para os meus quadros... O fato é que aos 19 anos eu queria ser pintor. E
minha mãe me deixou. Aos 19 já fiz a primeira exposição. A primeira coisa
verdadeiramente boteriana que eu fiz foi um bandolim. Atraiu-me a amplitude e a
generosidade do traço exterior de seu corpo e a pequenez do detalhe. Esse
esboço foi meu ponto de partida. Figuras grandes e pequenos objetos ao lado.
Levei 15 anos até fazer o que se chama um Botero do começo ao fim, mas fui
insistindo na mesma ideia e no mesmo universo. A maturidade do estilo depende
do trabalho, leva muito tempo. E aí vieram os personagens, os Boteros. Não
tinha influências visíveis, havia coerência, resultado de uma obsessão que
parte do bandolim.
P. Günter Grass dizia que um presunto é um bandolim de
carne.
R. É uma coisa estranha: o presunto sempre dá a ideia de uma
forma grande ao lado de uma pequena. Tem a ver com certa ideia plástica da qual
eu participo. E olhe que a humanidade também tende a emoldurar; faz um quadro e
o emoldura, ou você pega um bilhete e o emoldura. Essa construção do presunto,
assim como o desejo de salientar, faz parte do subconsciente da humanidade. E
meus Boteros nascem dessas metáforas.
P. O que é um Botero do princípio ao fim?
R. É o que a gente já vê como um Botero. Corresponde à minha
pintura. Há quem acredite que meu nome vem dos quadros, e às vezes eu mesmo
achei que Picasso, por exemplo, chamava-se assim porque sua pintura foi feita
como que picando. Ou que Chagall se chama assim porque suas pinturas são como
chamas. E eu sou Botero. Não me chamo assim por causa dos meus quadros! Mas as
pessoas insistem em acreditar que veio antes o quadro do que eu.
P. Desde o nascimento de sua pintura essas formas são assim…
R. Sempre houve uma tendência muito grande ao volume. Quando
comecei eram assim; e depois, quando soube da história da arte, senti que podia
me parecer com a época azul de Picasso. E em seguida me perdi em uma floresta
de coisas atrativas, monumentais e volumétricas, encontrei-me com Masaccio,
Giotto e Piero della Francesca… Comecei a me identificar com esses artistas,
mas em nenhum momento deixei de acreditar que o caminho que alguém tem é o
verdadeiro. Pintar é criar um estilo; se houver convicção o estilo nasce por si
só.
P. O senhor recebeu muitas críticas por vendê-los tanto…
R. As pessoas quando veem um Botero se lembram, fica gravado
na sua mente. Eu o vejo um quilômetro, e sim, as pessoas vão atrás dele. Está
mal que o diga, mas sou o pintor vivo que mais expõe no mundo, inclusive na
China. Lá dizem: “Até as crianças pequenas reconhecem um Botero!”.
P. Nesta exposição o senhor combina brindes feitos por
pessoas de semblante triste, mas o colorido é muito alegre.
R. A arte deve produzir prazer, certa tendência a um
sentimento positivo. Ticiano e Botticelli tinham temas mais amáveis, davam
prazer. Mas eu pinto coisas dramáticas. Sempre procurei coerência, estética,
mas pintei a violência, a tortura, a paixão de Cristo… Há um prazer distinto na
pintura dramática, a própria pintura. O gozo maior da pintura, a beleza, não o
dramático para brigar com o prazeroso. O prazer da pintura é prazer por si
mesmo.
P. Trabalhar sobre a violência cura da violência?
R. Não tem essa capacidade…
P. Cura-o?
R. Sim, em certa medida. Estava obcecado quando ocorreram as
torturas em Abu Ghraib. Demorei um ano para fazer os quadros, me senti liberado
daquela atrocidade moral que significa tal injustiça. E por isso o fiz. Mas a
arte não corrige nada. Aconteceu o mesmo depois com os quadros que pintei sobre
a violência na Colômbia. A violência estava lá. Continuou. Uma geração se
sacrificou, permaneceram a corrupção, a droga… Minha responsabilidade era
pintar corretamente, com qualidade plástica. Tirar essa ferida não é tarefa da
arte.
P. Agora se atenuou a violência…
R. Mas continuam outras violências. A delinquência comum
está presente, os traficantes persistem, embora com chefes diferentes, e a
droga continuará enquanto for consumida nos Estados Unidos…
P. O senhor fez um monumento à paz em Medellín e os
terroristas o explodiram.
R. Uma pomba da paz. Causaram 22 mortos e mais de 100
feridos. Saltou em pedaços a pomba. Pedi que não a reconstruíssem, que a
deixassem assim, e a transformei num monumento abstrato, ao lado do qual voltei
a fazer outra homenagem à paz… Nesta semana vão dinamitar a casa de Pablo
Escobar em Medellín para que essa lembrança não perdure. Será muito difícil
apagá-la.
P. E agora a fronteira com a Venezuela está em grave
conflito.
R. Uma situação muito delicada. Obviamente Maduro é nefasto,
mas que invadam um país, e sobretudo que os Estados Unidos o invadam, com seus
precedentes, transformaria este momento num instante muito perigoso.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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